Lucimar Brasil
Nunca fui namoradeira na juventude por um motivo muito simples: eu não sabia namorar. Tinha medo de errar naquelas horas em que deixaria claro meu não saber. Beijo de língua, esbarrar sem querer naquelas partes que aumentavam nos meninos quando abraçavam e dançavam coladinho com a gente; não conseguir esconder o farol que teimava em brilhar por baixo da camiseta sem sutiã. Enfim, essas coisinhas que outras meninas tiravam de letra, eram um suplício pra mim. E apesar de adorar o calor que me subia nestas ocasiões, achava mais adequado voltar ao inverno ou, no mínimo, ao outono das sensações por questão de segurança. Não sabia controlar meu vulcão interno.
Além do mais, conheci cedo demais por assim dizer, mestres da arte de namorar, como Dorival Caymmi e Vinicius de Moraes. Como estavam bem distantes fisicamente de mim, adorava tê-los como candidatos potenciais e, felizmente, pouco prováveis, da minha vontade de encontrar um namorado e mostrar ao mundo que eu já era uma quase mulher. Como se não bastasse, ainda tinha o Roberto Carlos que me deixava bamba quando dizia: “eu te proponho”.
- Ai Roberto, por favor, não faça isso comigo. Você vai saber que eu não sei fazer!
Por não saber fazer, inventei de copiar alguns modos das personagens que encantavam meus candidatos distantes. A primeira atitude mais drástica foi me maquiar para os hi-fi na casa dos amigos do grupo jovem. Se Dorival ficou de mal com a Marina porque ela se pintou, também haveria de brigar comigo. Seria uma daquelas cenas de novela. Ele, enfurecido, me vendo toda produzida na base, no blush, nas sombras e no batom vermelho. Bem diferente daquela normalista de colégio de freiras a que ele estava acostumado, com os cabelos cacheados sempre presos por questão de segurança nacional.
É que diziam que ao soltar minha juba leonina, eu me transformava. Naquela noite, porém, em que seria consagrada como a derradeira Marina de Dorival, nenhuma presilha ou elástico de cabelo iria me segurar. Foi exatamente aí que dancei. Dancei sem medo de esbarrar nas partes dos meninos, sem me preocupar que alguém notasse o quanto eu estava gostando do calor, do cheiro, da música a me atiçar os sentidos.
Foi brincando de ser a Marina de Dorival que me retoquei pela primeira vez em um espelho de banheiro feminino e pude compreender um pouco mais deste meu universo repleto de significados, de lágrimas, calcinhas, absorventes, amigas-irmãs. Por isso, ainda hoje, sempre que vejo fotos de Dorival com a Stela, quando ouço Dori, Danilo e Nana, sei que tive o melhor primeiro namorado que uma menina que não sabia namorar poderia ter.
Era natural então, a partir de uma primeira vez tão bem sucedida, que meu desejo pelo sexo oposto aumentasse. E assim me vi pronta para uma aventura ainda mais excitante: seduzir o homem das mil e uma mulheres. Vinicius de Moraes. Não ia ser nada fácil, mas a essa altura Carl Gustav Jung, meu mentor espiritual, já havia me alertado: “A gente só muda quando a dor de permanecer é maior que a dor de mudar.” E como estava insuportavelmente doído segurar o vulcão em brasas a me queimar as entranhas, lá fui eu com a cara e a coragem atrás do Poetinha.
Ao contrário do que se poderia imaginar não me importava vê-lo na companhia de outras beldades. Algo me dizia que meu espaço estava reservado. “Deixe que ele ande, perambule, beba, abrace, beije, ame, goze, sofra, sorria”, me dizia a voz da intuição. “Você vai se dar melhor com um homem mais experiente, que sabe tocar o corpo feminino com mais devoção e menos sofreguidão, que tem histórias para contar, que sabe fazer poesia com a dor.”
Dito e feito. Nesta ocasião, a ciência do espírito já havia me seduzido por se opor ao cientificismo da matéria e afirmar que tudo se origina na consciência. Que a intuição e a criatividade são portais de acesso a um mundo de possibilidades. Graças a essa crença me descobri musa inspiradora de Vinicius de Moraes.
Sem tremer, me ouvi pronunciando um convicto e provocante "sim", enquanto ele cantava baixinho ao meu ouvido. “Se você quer ser minha namorada. Ah, que linda namorada você poderia ser se quiser ser somente minha. Exatamente essa coisinha. Essa coisa toda minha que ninguém mais pode ser".