A dor é um conforto. 

Quase um alívio. 

Tem o poder de anestesiar a própria dor que se sente, impedindo a progressão que, inevitavelmente, a levaria  ao fim. 

A dor é um antídoto contra a morte. Da dor. 

Bloqueia o fluxo da dor da dor como um poderoso torniquete, ainda mais se feito com o sacrifício do resto de tocos sem vida e farrapos humanos em que ela mesma nos transforma. 

Neste sentido, ainda que às avessas, é um exercício de superação e, como tal nos envaidece. “Vejam como sou forte.” “Vejam como resisto ao flagelo.” 

A dor justifica a tristeza com tanta propriedade que chega a trazer paz. Expõe o que vai no fundo da alma como nenhuma parafernália de diagnóstico por imagem ousa alcançar.

A dor machuca, mas também ampara. 

É uma resposta rápida ao antibiótico da existência, mas que precisa ser tomada em doses homeopáticas. O tratamento deve ser longo, custoso, demorado, mas persistente, como o santo ofício de uma missa em latim nos domingos de Páscoa. 

A dor é um refúgio manso com um único inconveniente: dói pra caralho. E a essência humana, tal como uma bactéria resistente, não a aceita. Quer sua expulsão sem dó nem piedade, de preferência pelo fígado.

 Ringue montado, luzes baixas para a entrada das campeãs do diagnóstico antecipado que o homem prefere não enxergar. Afinal, quer diversão. 

De um lado, pesando zilhão de toneladas, a dor que refresca sem dar refresco. De outro, com nem um grama, mas não menos pesada que sua oponente, a dor da insustentável leveza do ser.

Em uma sociedade cheia de clichês também para a dor, com transmissão simultânea no YouTube, vence a luta quem ... 

Quem sobreviver verá. 

Afinal, viver não é para amadores.

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