Renato Henrique Dias*
Para Lucimar Brasil, com carinho, e para o sorriso de Laís, igual ao da Elis
“Poetas, seresteiros, namorados, correi”. Assim diz Gilberto Gil na abertura de sua música “Lunik 9”, gravada em 1967. Assim repito eu, neste texto, para todos aqueles que têm sensibilidade e emoção: mesmo você não sendo poeta, seresteiro ou namorado, correi pra ver esse vídeo, “Laís e Antônio, 70 Anos”, que está no Youtube. Lá, a jornalista Lucimar Brasil acabou de gerar uma gênese do amor correspondido, através de uma simples obra-prima, concretizada em emocionante curta. Que não merece essa denominação, porque a singeleza de seu conteúdo é muito maior do que o significado cinematográfico representado tecnicamente pelo "curta".
São 23 minutos e 33 segundos de pura poesia, retratando a vida conjugal e familiar do casal Lais e Antônio Atalla, de Ubá, num espaço de 70 anos, desde o casamento, em 1951. Toda essa poesia é encarnada num trabalho de criação inteligente e sublime de Lucimar Brasil, através de seu roteiro cadenciado, forjado na emoção dos momentos narrados pela voz de Gilze Bara (uma voz que escorrega pelos lábios como dádiva divina), e concretizado através da edição de imagens e arte gráfica de Carolina Milani, com seus geniais efeitos especiais, molduras e tonalidades, entre fotos e filmagens. Tudo isso recheado por uma belíssima trilha sonora, criada por um dos filhos do casal, José Avelino, onde a contemporaneidade dos arranjos, das letras e das melodias, aliada às introspectivas interpretações vocais, tece singela simbiose à nostalgia do tema.
Mas a questão técnica ou performática do "curta" (gerado a partir da idealização e produção de Angelo Atalla, também filho do casal), é a representação da sutileza harmônica deste trabalho concretizado por Lucimar Brasil. Sem estereótipos, sem falsas emoções, sem pedantismo, sem pieguismo, tudo se encontra nas imagens e nas palavras contidas em cada minuto e cada segundo da obra. Tudo em função da inserção, ali, da simplicidade da vida de um casal que fez das quatro estações de sua união algo mais do que a atitude de estar junto. O "curta" transmite, para cada espectador, a sensação da vida plena, realizada na convivência e no amor aos filhos, netos e bisnetos, parentes e amigos. E o amor entre si. Uma vida que tem a mineiríssima cidade de Ubá como cenário, e as viagens, praias, festas, o livro de receitas, os encontros e até a pandemia como coadjuvantes, numa sinfonia de sorrisos, abraços, beijos e carinhos.
Tudo isso retratado de forma poética, sincera e sensível pelas mãos, pela mente e pelo coração da Lucimar. É tudo muito bem documentado, com imagens familiares, de rua, de praias, de casas e, principalmente, de felicidade, felicidade nostálgica, crivada de vida real. A sequência de fotos mostrando os filhos ainda pequenos, os netos e as bisnetas, é de tirar o fôlego, é de fazer gritar: “Família é tudo”. O roteiro inclui diversas citações de muita gente boa por aí, entre eles, Shakespeare e Albert Camus. E todas as citações estão lá porque dão sentido ao próprio roteiro, nada é de graça. Nada mesmo. Algumas imagens – ilustrativas, como diriam alguns – como as ondas se estendendo na areia da praia e o planeta Terra imenso em sua solidão espacial, engrandecem e tornam mais universal a história desse casal e de sua família, que tem como característica exatamente a cara de todas as famílias, e por isso mesmo é uma história fascinante.
Tem sorrisos para todos os gostos, mas tem, principalmente, o sorriso da Laís, igual ao da Elis Regina, desde a cena inicial, e em todas as outras. E é no encadeamento deste sorriso, na convivência do casal e na sequência das nostálgicas imagens deste vídeo que se vislumbram esperanças e fé, transcritas também no verso “mas é certo que a primavera chega”, de Cecília Meirelles. Que está lá, também, neste grande “curta”.
Valeu, Lu.
*Renato Henrique Dias é jornalista, roteirista e escritor.
Assista
Laís e Antonio - 70 anos
https://www.youtube.com/watch?v=sfuuea9-VUc&t=25s