Lucimar Brasil
Não é de hoje que pensava em escrever sobre a experiência com o livro da bruxa encantadora de palavras que mais me enfeitiçou nos últimos 20 anos, comparável apenas à transformação que minha alma viveu antes, durante e depois da leitura de “Mulheres que correm com os lobos” quando eu tinha pouco mais de 20 anos. E esse depois dura até hoje, porque o livro de Clarissa Pinkola Estés é bíblia de cabeceira para toda mulher que, como eu, gosta de se jogar sem paraquedas no absoluto universo do mistério que há no mundo. Sem o equipamento de voo dá até para arriscar o mergulho na vastidão, mas sem o guia de sobrevivência feminino é impossível.
Talvez, por isso, quando “O caminho do artista”, escrito pela já amiga íntima, Julia Cameron, chegou às minhas mãos, conduzido pela mesma sabedoria que me trouxe a bíblia de Clarissa, relutei um bocado. Primeiro, porque ao iniciar a leitura me senti envolvida por uma espécie de livro de autoajuda. E, cá para nós, quem é que não tem um certo nível de arrogância que repele publicações deste tipo por parecer algo menor? Eu tenho, e, por isso, quebrei a cara em um milhão de partes com esse caminho que de artista tem tudo, mas também tem de amor, de beleza, de sanidade, de espiritualidade, de profundeza.
Com a sabedoria de quem já esfregou o chão do submundo humano com as próprias mãos até sangrar, Julia nos oferece a oportunidade de acordar para o que realmente importa nesta vida. E não se trata de filosofia namastex. Se trata de práticas bem simples (daí porque complexas) de exorcizar os demônios que impedem a manifestação da criatividade (e, por consequência, do Criador) em nossas atitudes mais corriqueiras, que, por sinal, são também as que nos mantém vivos, plugados, conectados, entusiasmados, respirando. Isso mesmo. “O caminho do artista” tira a gente do piloto automático.
À medida que avançamos na leitura e nas tarefas de desintoxicação emocional propostas pela bruxa ao final de cada capítulo, vamos igualmente retirando camadas e mais camadas de tinta velha acumuladas ao longo de anos sobre nossa obra de arte original. O primordial é que esse processo de “lixamento” se dá da forma mais amorosa possível, porque Julia Cameron tem profundos respeito e admiração pelo que ela chama de artistas em recuperação. Recuperação da ideia primeira sob a qual fomos concebidos à imagem e semelhança do divino, mas que pela domesticação social foi sendo sufocada por crenças limitantes ouvidas desde crianças e ditas até por aqueles que nos juravam afeição, como pais, irmãos, avós, amigos, professores e, mais tarde, por namorados, maridos, esposas e por aí vai.
Com atividades simples, mas desafiadoras, como as Páginas Matinais que propõem a escrita à mão de três páginas por dia com o que nos vier à cabeça, e os Encontros com o Artista (quando a gente faz algo divertido só para agradar a criança que insiste em viver dentro de nós), Julia Cameron, hoje uma senhora de 73 anos que coleciona histórias de sucesso em Hollywood, nos leva de volta para a casa mais própria que podemos frequentar nesta vida. É nela que, aos poucos, como arquitetos de alma, vamos repaginando jardins internos, recriando hortas com alimentos de verdade, redecorando ambientes íntimos à luz de uma consciência muito mais profunda e conectada com a espiritualidade.
E, assim, como em um passe de mágica (que significa trabalho duro e extrema devoção ao autoamor) nosso mundo externo começa a refletir toda a limpeza feita internamente, embora o país, o planeta e todas as suas mazelas que enchem de tragédia os noticiários continuem exatamente do mesmo jeito. O que muda com “O caminho do artista” é o nosso modo de enxergar a experiência individual e coletiva aqui na Terra. Por isso, pequenos e grandes milagres, sincronicidades e muitos mistérios começam a encher nossos dias. Sou testemunha disso.
Ou o que você pensaria de um vagalume (esse serzinho de luz própria quase em extinção de tão sumido) entrar no seu quarto, às 3 horas da madrugada, e te acordar pelo barulho insistente de suas tentativas de pouso no armário e nas paredes, justamente depois de você pedir ao divino (antes de deitar) que enviasse um sinal qualquer de sua presença? Isso aconteceu comigo noites atrás e, enquanto me desmanchava em lágrimas de genuína gratidão pela iluminação tão literal, ainda senti um perfume doce, quase quente de tão palpável inundar meu cantinho, ao mesmo tempo em que um toque suave deslizava pelos meus pés. É isso. Mas tem muito mais. Coisas que prefiro contar aos poucos para não assustar.
Se você quiser experimentar sensações aparentemente inexplicáveis, se quiser sentir seu coração se expandindo pela força do amor, se quiser sentir a sutileza do poder da criação e a poderosa libido pela vida queimar suas entranhas como fogo de São João, recomendo a leitura de “O caminho do artista”. Foi por meio dessa jornada de pequenos/grandes milagres e suas sincronicidades diárias que encontrei pessoas incríveis reunidas em um clube de leitura da escola “Levante 42”, conduzida por um feiticeiro chamado Celso Taddei. A propósito, as inscrições para a segunda temporada estão abertas, ou melhor, escancaradas pela generosidade do mago que você, como eu, vai adorar conhecer.
Só vai.
O caminho do artista desemboca no paraíso que é viver no presente.
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FOTO:
https://woomagazine.com.br/resenha-o-caminho-do-artista-de-julia-cameron/