Vira e mexe, sou obrigada a conviver com o fim de coisas que eram tão lindas ou, no mínimo, aos meus olhos, tinham um enorme potencial de ser. Isso vai desde o fim de uma série de TV, como This is us, até finais de relacionamentos de qualquer natureza como afetivos e profissionais, a momentos de reflexão, a exemplo da Semana Santa. 


Engana-se quem espera que acredite que o Domingo de Páscoa apaga tudo o que veio anteriormente sobre a crueldade humana e a expectativa sombria que antecede o fogo da libertação. Gosto de viver o fim e ficar ali. No sepulcro. Na dor. Na tristeza. Na tragédia. Na escuridão. Nas cinzas. Na tela da tevê com a próxima atração. Sinto prazer em aprender com o final das coisas. A ressurreição é outra história bonita, mas não mais do que a Sexta-Feira da Paixão.


Perdi meu pai e vi poesia na Praia da Boa Viagem. Perdi uma mãe adotiva e vi poesia no calendário do dia da morte com uma passagem bíblica que dizia: “coragem, sou eu”. Perdi amores e vi poesia em Alberto Caeiro, em Pessoa, em Chico Buarque, em Roberto Carlos. Perdi amigos e vi poesia em Bethânia, Gil, Caetano. A grande pergunta que fica é: por que o fim de algo bonito precisa ser tão ou mais lindo? Acabou, que merda, não? Não! O fim, ainda que tragédia, tende a ser bonito mesmo que triste, como Shakespeare nos ensinou e Jesus também. A dor ilumina algo que estava oculto. Isso é uma desgraça contemporânea.


Ainda que eu queira beber todas para celebrar a morte, ainda hei de encontrar um garçom generoso que vai querer se sentar comigo ou me trazer a cerveja mais gelada. Inferno. Ainda que pense em me atirar do último andar de um arranha-céu, sei que a descida até o chão será de imagens inéditas que eu sequer imaginava existir. Desgraça. Pensar em meu corpo se espatifando no toque cruel do asfalto, porque eu quis que fosse assim, é de uma beleza torturante. Por que o fim precisa ser tão lindo? Queria só sentir o peso da dor, mas sofro da maldição da beleza. Coisa doida. 


Se tomo um pé na bunda, agradeço por ter dado um passo à frente. Se não tenho dinheiro, agradeço por não ter que decidir em gastar com supérfluo. Se preciso acabar com um relacionamento que só é bom para a outra parte, agradeço por ter força de não repetir histórias seculares de dominação só porque sempre foi assim. 


Que tipo de beleza é essa que me atormenta? Invejo aqueles que não encontrando saída ficam ali, ruminantes, pesarosos, sombrios, atemorizados, estáticos, enganando a si e a outros, por acreditarem que o mundo é uma merda. Porque é. O mundo é uma merda, senhoras e senhores. Eu e um tanto aí de namastex é que vivemos na contramão. 


Não estou incentivando ninguém a atentar contra a própria vida, porque, acredito que pouco resolve. Tá arriscado você ter que voltar novamente a esse planetinha (estará bem pior com a catástrofe climática), para desfazer a encrenca em que se meteu, seja com Deus ou com o diabo. Então, seja lá quem a gente for, é melhor olhar no espelho do que usar um caco dele nos pulsos. Tudo tende a piorar. A natureza não é amigável. Ela é muito mais cruel que um general na ditadura e nem precisa de viagra institucional. 


Queria ver menos beleza no mundo, mas não consigo. Queria ver o quão filho da puta é alguém que se aproveita da minha imaturidade, mas aí percebo que é minha imaturidade que reforça a filhadaputagem alheia. Ou seja, querendo ou não sou responsável pelas moscas que atraio e, por isso, de certo modo, são minhas amigas, porque me mostram o quanto preciso evoluir para aprender a discernir o joio do trigo. Vejo beleza na filhadaputagem? Que merda! Meu jeito de ver, vê beleza até nas vulnerabilidades. 


É bonito ser enganada e perceber que para alguém me ludibriar é sinal de que me ludibriei anteriormente. Claro. Cair em conversa fiada, me contentar com conta-gotas sentimental, mentira, ilusão, fala sério né? Fala muito mais da fraqueza da gente do que da fortaleza dos outros. Bingo! Namastê, filho da puta! Gratidão por me fazer ver quem eu sou! 


Acredito que meu mundo, pelo menos (é só o que terei que prestar conta – espero), poderia ser muito melhor se eu fosse uma realista pessimista. Fechada eternamente para balanço. Que maravilha isso pode ser. Mas quê! Vejo a Graça em tudo. Sofro com a ideia de que finais serão sempre bonitos pela beleza que me conduziu a eles. Fui feliz, amei, chorei, me conheci, me reconheci, me dei, me escondi, fingi, disse a verdade, sofri e fiz sofrer. 


Minha própria morte será sempre bela do jeito que for, porque gosto de cada detalhe da vida que está me conduzindo a ela.  Será uma merda de final feliz! E, claro, na minha lápide, a certeza da inscrição: 

"Morreu feliz para sempre! PQP"

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